domingo, 23 de outubro de 2011

Depoimento


           Fui criada no mais belo de todos os jardins. Bem no meio. O terreno mais fértil e esplendorosamente bonito que uma árvore poderia pisar. É certo que por lá também foram criadas outras árvores. Eram formosas. Cada uma com sua harmoniosa singularidade. Obras perfeitas. Divinas. Eu no centro. Rodeada. A mais bela.
De imediato, recebi uma imensa responsabilidade. Ninguém poderia comer dos meus frutos. O dia em que se desfrutasse de algum deles, morreria. Poderia se alimentar de qualquer outra árvore. Menos de mim. Logo eu que produzia os frutos mais lindos e desejáveis. Alguém poderia estar se perguntando. Mas não eram os melhores? Meus caros, entendam o seguinte, ordens são ordens.
        Dia ensolarado. Um casal lindo passou por mim. Não tinha visto nenhum ser humano até aquele momento. Belíssimos, os dois. Estavam cansados. Com fome. Pararam debaixo de mim. Olharam. Lembraram da ordem. Foram para a minha amiga do lado. Comeram. Foram embora. Todo dia. O mesmo caminho. Sempre ao pôr-do-sol.
Numa tarde, porém, eles receberam uma visita. Percebi que, depois daquele dia, já não me olhavam como antes. Principalmente a mulher. Fiquei intrigada. Nunca vou esquecer o dia em que eles vieram com uma passada diferente. Meus caros, eles poderiam ter escolhido qualquer outra árvore do jardim. Qualquer. Mas exatamente naquele dia. Primeiro, a mulher. Depois, o homem.
Eu quis dizer pra eles. Parem. Não façam isso. Como eu queria ter voz para falar. Não comam. Não comam. Vocês vão morrer. Como eles não caíram duros na hora. Não entenderam o perigo que tal ação representava pra eles. Em vez disso, correram. Foram se esconder. Pegaram as folhas da minha amiga. Até que ouviram uma voz.
Eles não moram mais aqui. Não sabemos onde estão. Dizem que lá as árvores não são como as daqui. Nós, do jardim, ainda somos as mais belas. A produzir os melhores frutos. As de lá, invejosas, contaminadas, dizem que não. Nunca mais os vi. Espero reencontrá-los um dia.

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